
A janela do avião trazia um misto de empolgação e saudade. Aos 38 anos, Tânia embarcava para Portugal com o marido, a filha de nove anos e Pipoca, a cachorrinha vira-lata que a família resgatou ainda filhote nas ruas do interior de São Paulo antes de uma vida em Lisboa.
Esse era o começo de um novo capítulo. Ela e o marido Daniel, haviam ponderado a decisão durante anos, mas a insegurança crescente no Brasil e as dúvidas quanto ao futuro haviam se tornado angústias diárias.
A sensação de viver em alerta constante e a preocupação com a educação e segurança da filha pesaram na escolha. Por isso, quando Daniel recebeu a confirmação de que poderia trabalhar em home office de qualquer lugar do mundo, decidiram que Portugal seria o destino ideal, já que ele tinha familiares por lá.
Enquanto esperavam as malas no aeroporto, Tânia já se sentia invadida por alívio e gratidão. Tinham saído do Brasil com o coração apertado, mas, ao mesmo tempo, carregavam a esperança de uma vida mais tranquila e segura em Lisboa.
Nos primeiros dias, a família se instalou em um pequeno apartamento na zona de Alvalade, conhecido por ser calmo e familiar. A filha logo começou a explorar o parque próximo, e a esperta Pipoca, foi se adaptando às calçadas e praças de Lisboa.
Enquanto via o marido organizando seu escritório improvisado no quarto, Tânia já fazia entrevistas para algumas vagas na área de marketing. De fato, o mercado era competitivo, mas ela estava confiante: tinha experiência, domínio da língua e um currículo sólido.
Finalmente, após poucos meses de adaptação, ela conseguiu um trabalho em uma empresa de comunicação digital.
No primeiro dia, sentiu aquele frio na barriga conhecido por quem começa em um novo lugar, mas percebeu rapidamente que a cultura portuguesa era acolhedora.
O ambiente de trabalho era menos formal do que no Brasil, e os colegas a receberam com simpatia e curiosidade. Os portugueses pareciam gostar da energia vibrante dos brasileiros e ela percebeu que seu sotaque era uma ponte para conversas e novas amizades.
Cada pausa para o café trazia uma troca, com histórias, perguntas, risadas que tornavam o ambiente de trabalho mais leve e as saudades do Brasil um pouco menos intensas.
Com o tempo, ela estabeleceu uma rotina tranquila, onde a segurança parecia garantida de uma maneira que eles haviam desejado por tanto tempo. Sua filha começou na escola, onde rapidamente fez novos amigos, e adorava contar sobre as diferenças entre o Brasil e a vida em Lisboa.
Em casa, as refeições se tornaram momentos sagrados para compartilhar as descobertas do dia. A cada jantar, a pequena contava histórias da escola, dos novos colegas e das palavras diferentes que ela estava aprendendo com os amigos portugueses. Pipoca, por sua vez, era a companheira fiel dos passeios de final de tarde, quando Tânia podia respirar o ar frio e olhar a cidade com os olhos de quem, apesar de estar longe de casa, finalmente tinha encontrado paz.
Por mais que Lisboa fosse tão acolhedora, Tânia sabia que se adaptar exigiria paciência. Em alguns momentos, os processos burocráticos, as diferenças na cultura de trabalho e até o ritmo desacelerado dos portugueses causavam certa frustração. Mas, ela e sua família sempre lembravam um ao outro da razão pela qual fizeram essa escolha.
Com o tempo, ela começou a fazer amizades com outras mães brasileiras que também haviam se mudado e passou a não se sentir tão sozinha. Formou um grupo de amigos, que se reunia sempre que possível. E, enquanto as crianças brincavam, os adultos contavam suas novidades e lembravam do Brasil com saudade.
A maior saudade de Tânia era a sua avó, que havia ficado no Brasil, mas não saía dos seus pensamentos e do seu coração.
Por isso, fazia questão de fazer chamadas de vídeo com muita frequência, mesmo tendo que adaptar o seu horário para respeitar o dela.
O primeiro Natal em Lisboa foi um momento especial e cheio de lembranças. A saudade do Brasil apertou e a família de Tânia resolveu celebrar de forma mais íntima.
Nostálgica, ela preparou pratos brasileiros, para brindar a coragem que teve para recomeçar.
Naquela noite, ao olhar as luzes da cidade pela varanda do apartamento, ela sentiu uma serenidade que há muito tempo não experimentava. Não sabia o que o futuro reservava, mas tinha a certeza de que havia feito a escolha certa.
Meses depois, em uma conversa ao telefone com a avó, Tânia explicou a transformação que vinha sentindo. Estar em Portugal não apagava as memórias e raízes que tinha com o Brasil, mas a fazia enxergar novas possibilidades.
Agora, podia sonhar com planos a longo prazo sem a sombra de tantas incertezas. Contou que a filha já começava a dizer algumas palavras com sotaque português, e que Pipoca finalmente parecia entender que a grama dos parques era o seu novo quintal.
No fundo, Tânia sabia que ainda levaria tempo para que o sentimento de pertencimento estivesse completo. Mas cada dia era uma construção. E assim, aos poucos, Lisboa se tornava mais do que apenas um lugar seguro para viver; estava se transformando no lar onde ela e sua família estavam criando uma nova história juntos.
E mesmo com algumas dúvidas, se alguém a perguntasse o que mais fez sua família permanecer ali, ela diria que foi a chance de ter um futuro tranquilo como sempre sonhou.
Em Lisboa, ela encontrou o que procurava: uma vida com mais tranquilidade, um lar onde as decisões poderiam ser feitas com mais calma e um horizonte que, ao final de cada dia, mesmo trazendo saudade, se enchia de esperança de um futuro ainda melhor.